“A idéia surgiu pensando na cabeça de um amigo chamado Casemiro que adorava traquitanas, desde um cavalo de papel marche até uma Tomie Ohtake.
Durante os últimos 20 anos, em cada viagem, nós achávamos um pedaço de um todo que estava espalhado por aí. Uma janela, uma porta, um telhado, uma escada, um vidro. E tudo isso reunido é a vida de duas pessoas, de quarenta anos partilhados.
A vida foi se tornando uma vida de caixeiro viajante, de muitas jornadas. A cada saída, Recife, Diamantina, Canela, Penedo, Montevidéu, Angela e eu, íamos em busca de nossas próprias traquitanas, de nossos próprios encontros. E foram muitos, do engenho do João Coragem do Recife, que veio da zona da mata para o sertão paulista, de tantos tijolos centenários encontrados nas cidades vizinhas, de uma pujança que já se foi.
As camas vieram de Pelotas, as pedras de Mó do Rio de Janeiro, três janelas do Piauí, batentes de Tuiutí.
E as plantas, foram tantas, recolhidas por todos os cantos (aqui também muitos colaboradores). Isso aqui era um pasto, cheio de segredos, mas quem os conhecias eram só as vacas, um ou outro vaqueiro. Nessa cabeceira de vale, as nascentes ainda estavam escondidas no pouco de mata que o café não derrubou.
E assim foi, ou melhor vieram, muitas bromélias na caçamba, palmeiras de todo tipo; as araucárias parecem que tinham saudades desse chão, de tão rápido que cresceram. A barragem segurou a água por aqui, e quem gostou foi a mata. Foram precisos caminhos para conhecê-las e que me vendeu as folhetas foi o Zé das Pedras, e foram tantos os que ajudaram a assentar que vai ser difícil de lembrar. Quem começou foi o Tiquinho, e quem fez o corrimão foi o seu Zeca, nesse último verão.
E lá se foram vinte anos! E muita coisa mudou, o Sítio Glória apareceu e cresceu. A varanda lá de baixo, que nasceu lugar pra pitar e bebericar, hoje recebe a família e os amigos para belos almoços vegetarianos (Angela também não come nada que foge).
Temos também um padroeiro, o Velho Carneirão, avô querido dos meus filhos, que sonhava com os matacões de Morungaba e hoje toma conta de tudo isso lá de cima. Pra ele que está lá, e todos nós que estamos aqui, fizemos uma capelinha do Guignard, que ainda espera por um sino que não veio e por noivos que virão, crentes no amor, amor com vista!
Foi tanto tempo reunindo que a vontade mais sincera é a de agora dividir.
Em volta do engenho uma vilinha, e dez chalés para os investigadores (somos todos investigadores, não?), à espera dos artistas, aqueles que tem ferramentas que outros não tem, um galpão/ateliê para estes mesmos que, como nós, seguem em busca de paz e entendimento. Um yogário no meio da mata e pra lavar a alma uma modesta “cachoeira”, ladrão de água igual ao da fazenda de meu tio Roberto.”
Joca Millan, 2014
NOSSA HISTÓRIA